Edição 277/novembro 2009
Por: Beatriz Vichessi e Melissa Diniz
Para que os estudantes de EJA aprendam a ler e a escrever, é preciso respeitar algumas especificidades e acionar quatro situações didáticas.
Para que os estudantes de EJA aprendam a ler e a escrever, é preciso respeitar algumas especificidades e acionar quatro situações didáticas.
O processo de alfabetização das turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) está ancorado em práticas indispensáveis de leitura e escrita que também são desenvolvidas com as crianças das séries iniciais do Ensino Fundamental. Isso não quer dizer que o professor vá trabalhar lançando mão dos mesmos materiais e estratégias com públicos tão distintos. Não faz sentido. Esse é, inclusive, um dos motivos que levam os mais velhos a fracassar e abandonar a escola (leia abaixo os depoimentos de três alunos dessa modalidade). Embora exista uma variedade considerável de bons materiais organizados pelo Ministério da Educação (MEC) e pelas secretarias estaduais e municipais do país (disponíveis gratuitamente na internet), muitos educadores ainda recorrem aos livros usados pela criançada. Um dos motivos é a falta de formação específica. A maioria das faculdades de Pedagogia negligencia a EJA e não prepara os educadores para lidar com as especificidades da modalidade. Estudo encomendado por NOVA ESCOLA à Fundação Carlos Chagas no ano passado aponta que lecionar para jovens e adultos é um fato abordado somente em 1,5% das disciplinas do currículo de Pedagogia.
Joel dos Santos, Geralda Lourenço e Manoel Pinheiro
Fotos: Tatiana Reis e Jarbas Oliveira
"Adoro ir à biblioteca da escola. Atualmente, estou lendo obras que falam sobre a música brasileira." Joel dos Santos, 30 anos, aluno do Colégio Santa Cruz, na capital paulista
"Quando a professora escreve o que os alunos ditam, aprendemos como as palavras são escritas." Geralda Lourenço, 67 anos, aluna do Centro Educacional Sesc Ler, em Quixeramobim, CE
"Gosto das aulas em que a professora lê para a turma porque aprendo coisas sobre o mundo." Manoel Pinheiro, 82 anos, aluno do Centro Educacional Sesc Ler, em Quixeramobim, CE
Mas é fato: os alunos da EJA não são crianças grandes e não podem ser tratados como tal em sala de aula. "São pessoas com experiências de vida, já bastante recheadas de saberes. E, ainda que não formais, eles precisam ser levados em conta", explica Vera Barreto, presidente do Vereda - Centro de Estudos em Educação. Além do mais, usar o material das crianças pode não despertar o interesse desses alunos. "Sabendo disso, é preciso escolher textos e músicas, por exemplo, que tenham a ver com o mundo desses estudantes e despertem a curiosidade deles, descartando o que é destinado aos pequenos", diz Francisco Mazzeu, pedagogo e professor do Departamento de Didática da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), campus de Araraquara. Atividades que envolvam poemas de Cora Coralina (1889-1985), contos de Luis Fernando Verissimo e crônicas de Walcyr Carrasco - entre outros gêneros e autores, reportagens de revistas e jornais sobre o aumento do salário mínimo ou canções de Erasmo Carlos, Neguinho da Beija Flor e Cauby Peixoto - são muito mais adequadas do que as propostas que usam parlendas e histórias em quadrinhos da Turma da Mônica e livros que reúnem contos como Chapeuzinho Vermelho. A seleção dos autores deve ser sempre feita de acordo com os temas que eles abordam - sempre precisam estar conectados diretamente com o mundo adulto - e, é claro, com a qualidade apresentada pelo material escolhido (conheça, na imagem abaixo, o exemplo de uma prática de leitura e na última imagem, uma atividade de escrita). Outro fator decisivo para o sucesso do grupo está no discurso do educador. Ele deve conversar constantemente com os alunos sobre as estratégias que adota, expondo os motivos que o levam a organizar as atividades. "Muitos deles acham que ditar um texto para o professor não faz sentido e a leitura em voz alta feita por ele nada mais é que uma perda de tempo", diz Sandra Medrano, coordenadora pedagógica do Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária (Cedac), em São Paulo. O histórico de fracasso escolar também precisa ser levado em consideração - para alguns estudantes, a possibilidade de errar ao ler e escrever amedronta, quando deveria, na verdade, ser encarada como uma etapa natural da aprendizagem. Para colaborar com a atividade docente em EJA, NOVA ESCOLA apresenta as quatro situações didáticas de leitura e escrita, descritas por Sandra Medrano, que não podem faltar em sala de aula e traz detalhes sobre como trabalhar cada uma delas. Além disso, há exemplos de materiais a serem usados e sugestões de sequências didáticas, elaboradas por educadores que no dia a dia consideram as especificidades dos jovens e adultos.
1. Leitura pelo professor
O que é: Momento em que o educador lê para a turma textos diversos (literários, informativos etc.). Os gêneros devem variar para que o repertório do grupo seja ampliado. Além de contos, crônicas e poemas com temática adulta, recorra a reportagens de jornais e revistas. Também é válido organizar audições de leitura de livros literários mais longos, trabalhando capítulo a capítulo. Atribua valor à atividade explicando que a intenção é formar os estudantes como usuários da leitura e da escrita e para isso é preciso vivenciar na sala de aula práticas semelhantes às realizadas fora da escola. Antes de iniciar a leitura, apresente o material a ser explorado. Ao final, retome a conversa, estimulando opiniões e questionamentos sobre o conteúdo.
Quando propor: Diariamente.
Material: Contos e crônicas de autores como Ignácio de Loyola Brandão, Adriana Falcão e Mario Prata, poemas de autores como Patativa do Assaré e Manoel de Barros, reportagens que abordem temas atuais e de interesse dos cidadãos, como as que tratam do sistema de transporte do município, livros como Alexandre e Outros Heróis, de Graciliano Ramos (1892-1953), e Capitães da Areia, de Jorge Amado (1912-2001).
O que o aluno aprende: Os usos e as funções da escrita, as características que distinguem os gêneros textuais e as diferenças entre a linguagem oral e a escrita. Ele também se familiariza com a linguagem dos livros e jornais, aprende a opinar sobre o que foi lido, a apreciar o escrito e se emocionar com isso e a localizar várias informações.
2. Leitura pelo aluno para aprender a ler
O que é: A possibilidade de ler listas ou textos conhecidos de memória. Sabendo o que está escrito, é possível antecipar o que vem a seguir, buscando indícios gráficos por meio do conhecimento das letras iniciais ou finais, que ajudam a refutar ou confirmar sua hipótese. Lembre-se de que nem sempre a situação de ler, arriscando-se a errar, é confortável para os estudantes dessa modalidade de ensino. Por isso, explique que é lendo - mesmo antes de saber fazê-lo convencionalmente - que se aprende a ler.
Quando propor: Em dias alternados aos de atividades de escrita.
Material: Listas como as de pratos para uma festa, de convidados para um sarau, de cantores preferidos e de compras no supermercado. Canções conhecidas do grupo, como Asa Branca, de Luiz Gonzaga (1912-1989) e Humberto Teixeira (1915-1979), sucessos de Roberto Carlos, Gilberto Gil, Alcione e outros artistas que a turma aprecie. Poemas de autores como Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Cecília Meireles (1901-1964). Eles tratam de temas próximos do universo dos adultos e apresentam produções de qualidade.
O que o aluno aprende: O sistema de escrita, como ele funciona e o que tem de ser feito para colocar em ação as estratégias de leitura.
3. Produção de texto oral com destino escrito
O que é: Situação em que os estudantes ditam um texto e o professor o transcreve no quadro. Eles controlam o que é escrito e acompanham como se escreve. Alguns não participam, pois têm vergonha. Por isso, devem ser feitas perguntas para estimular todos a opinar.
Quando propor: Várias vezes por semana, sempre que houver o uso da escrita. Material: Textos de referência como cartas publicadas em jornais e cartilhas com informações de saúde.
O que o aluno aprende: Como se organizam as ideias de um texto e como se dá a passagem da linguagem oral para a escrita. Ele também compreende o processo de produção textual, incluindo a revisão, e conhece a estrutura e a linguagem do material que está produzindo.
4. Escrita pelo aluno para aprender a escrever
O que é: A oportunidade de escrever o que é conhecido de memória (como poemas) ou listas (de ingredientes de receitas culinárias). Pelo fato de existirem alunos que acham que a cópia é mais adequada para aprender a escrever ou que não se pode escrever errado, explique que é preciso se arriscar a escrever, colocando em jogo o que se sabe e pensa.
Quando propor: Em dias alternados aos de atividades de leitura.
Material: Textos de referência ou sugeridos nas situações didáticas anteriores (considerando a possibilidade de se aproximar de uma situação de uso social da escrita), letras móveis e computadores com editores de textos instalados.
O que o aluno aprende: A refletir sobre o sistema de escrita, representar graficamente o que quer comunicar e definir quantas e quais letras usar.
Reportagem sugerida por 18 leitores: Creuza Pereira da Silva, Dom Aquino, MT, Cynira de Andrade Aversari, Guarulhos, SP, Elinete Freitas da Costa de Souza, Macapá, AP, Jubilene Maria Belarmino, Itapissuma, MG, Juciane Fregadolli, Maringá, PR, Julimar Santiago Rocha, Salvador, BA, Kaliane de Macedo, Garanhuns, PE, Karlene Cabral Cunha, Codó, MA, Kerhgisvalda da Silva do Nascimento, Diadema, SP, Margeri Azambuja da Silva, Aparecida do Taboado, MS, Mairice Policena de Souza, Castelo de Sonhos, PA, Mara Cristina Ferraz Silva, Álvares MAchado, SP, Maria do Socorro Barbosa, Ibicaraí, BA, Miriam Graeff Stach, Panambi, RS, Pollyanna Morais, Itumbiara, GO, Sandra Balbys, Paulo Afonso, BA, Susana Dias Amaral, Vitória da Conquista, BA, e Zilda Maria Melo, Confresa, MT
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